martes, mayo 30, 2006

BREVE APRECIAÇÃO A “RETALHOS”, DE LUZ GOMES

INTRODUÇÃO

“Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, ora é mais confuso) , é a minha maneira de escrever” (Arte Poética IV, Dual)

Estas palavras de Dual, na Arte Poética IV, supostamente não só se adaptariam, com perfeição, à obra em lançamento, como também poderiam constituir, para mim, o grande motivo de dispensa e fuga à enorme dificuldade que a Luz me colocou para proferir algumas palavras sobre o seu primeiro “Retalho” da vida. E ainda para mais, logo o primeiro, que ainda não tem um segundo para se poderem estabelecer paralelos de comparação!
“Deixar que o poema se diga por si” seria e será a melhor apreciação a fazer de toda a obra poética e, por isso, também desta que ora se apresenta. Assim, a única coisa que vos deveria proferir era pedir-vos para pegar na obra e deixá-la dizer-se a si própria, por si mesma, sem a mínima interferência ou manifesta opinião, a fim de não a desvirtuar, um nada que seja, da sua concepção. Quando muito , a pessoa indicada para falar destes “Retalhos” seria a própria “tecedeira” , pois só ela pode precisar, com o verdadeiro sentimento, as “carícias” feitas à lançadeira.
Acontece que, talvez a Luz se tenha iludido ( e a ilusão aparece na sua poesia), dizia, talvez se tenha iludido um pouco comigo aquando da sua passagem, brilhante, diga-se, pelas salas da Escola Secundária, pois ao ver-me citar, de cor, poemas de Bocage, Sophia, Ricardo Reis ou Antero, terá pensado que os saberia interpretar, convenientemente, e me encarregou desta difícil missão, embora honrosa, sujeitando-se a ficar defraudada com a expectativa criada.
Em todo o caso, gostaria de dizer-vos que vale a pena deixar estes poemas falar por si e para cada um de nós. O melhor é mesmo cada qual “escutá-los”, independentemente da minha intervenção.


CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAL DA OBRA
Em duas pequenas pinceladas, quereria dar-vos uma pequena ideia da forma e sobretudo do conteúdo desta obra, o que não deixará de constituir uma abordagem meramente superficial e uma apreciação muito subjectiva, como aliás ocorre com praticamente todo o género lírico.

“RETALHOS” – UM TÍTULO ADEQUADO
Comecemos pelo título, que é sempre a primeira imagem. Antes de tudo o mais, surge-nos aos olhos “Retalhos”, sinónimo de bocados, pedaços, ou farrapos (de pano) conduzindo-nos, falsamente, à ideia contrária de inteiro ou de união.,o que não é verdade, pois tudo “gira” (“roda” e “rodopia”), como diz a Luz, em torno e a partir de si, mas da imensidão do seu ser, do seu “eu fragmentado”, (já assim acontecia com Pessoa), dos “pedaços de mim”, como refere no poema inicial, repetido noutros, pedaços que são “elos de ligação com o mundo”.
O reforço desta ideia de “retalhos”, unidos e valiosos, surge-nos ao longo da obra, pois são ainda estes “pedaços de mim”, “cosidos” (pelo acaso) (presos uns nos outros), “conjugação de ideias”, “fragmentos aproveitados”, “reciclados pelos minutos”.
São os “Retalhos”, como exprime numa das “tiradas” de prosa poética inseridas na obra, os “farrapos de ser ou não ser, espalhados por tudo, pela imensidão do acreditar...” que justificam este título, o adequam, convenientemente, e lhe dão a amplitude dum mundo em duas vertentes: por um lado, a daquele “que me ensinou a caminhar”, “me fez sorrir”, “acreditou em mim”, um mundo regrado , com “pontos e vírgulas aos instantes”, e feliz, com “sorrisos”; esse mundo que aborda primeiro; e em oposição ao outro, caótico, anárquico, do “trânsito impossível”, dos “acasos”, das “filas” e das “noites”, com o qual nos encerra este livro. Título adequado, perfeito, em modesto entender.

“RETALHOS” – PARTILHA COMUM
Para reforçar a ideia de união, os “Retalhos” são ainda uma partilha comum com os leitores, com todos. Não deixa de chamar a atenção e ser significativa a relação entre o primeiro e o último poema do livro (ressalvo qualquer alteração na impressão, mas baseei-me na versão que me chegou às mãos), pela referência e relação existente entre os dois mundos citados e sobretudo pelas dedicatórias que confirmam essa partilha comum com “os outros”.
E quem são os contemplados, nessas dedicatórias, perguntamos? A resposta surge logo: “Eles sabem quem são”. São, de imediato, os que entendem “Retalhos” como “palavras aos meus amigos”, pois a estes são dedicados, em primeiro lugar. E se, de facto, “eles sabem quem são”, não precisa a autora de apontar nomes, antes cada um deve estar ciente se deve ou não constar na infindável (certamente) lista de admiradores.
O público é a sua primazia, por excelência, pois só depois o dedica “a quem me está próximo”, neles se englobando os “poemas”, “músicas” e “silêncios”, quiçá “os momentos do nosso umbigo”, mas os grandes responsáveis pelos “momentos de loucura” que ditaram a “inspiração” e foram os genes destes “Retalhos”.
Já agora, se não nos sentirmos incluídos no lote anterior, para que ninguém se sinta fora desta abrangência, “dedico (...) a tudo o que me rodeia”, mas com consideração superior a “meus irmãos/em simultâneo” e sobretudo (também não devo deixar passar esta oportunidade sem dela fazer menção e felicitação) à D. Graça, “àquela a quem chamam/ a Doce Gabriela”, “a que me deu o ser” e “a que me viu nascer” e a que hoje se sente feliz como avó, pelo primeiro “filhote” da Maria da Luz.
Como retribuição dessa partilha que quis estabelecer connosco, comunguemos com a sua obra.

RETALHOS” – VARIEDADE E DIVERSIDADE FORMAL
Das referências feitas e das citações focadas, pode ficar-se, desde já, com a ideia de que esta obra reveste duas facetas a nível formal: a poesia propriamente dita e a prosa poética. Muito mais substancial, porém, a primeira que a segunda. Esta última – a prosa poética – limita-se a cinco pequenos textos, ideias ou pensamentos que ajudam e completam a compreensão de “Retalhos” expressos nos poemas, que rondam a meia centena.
Estes, sim, constituem o verdadeiro sumo da obra, assumindo as mais distintas formas, desde os tercetos e quadras até às estrofes mais longas, assim como a métrica invariável percorre também os poemas do livro, contribuindo também este aspecto para a justificação do título da obra, à semelhança dos diversos tios e formas de retalhos: chita, nylon, tirilene, algodão, linho ou seda, grandes, médios, pequenos...
Do conjunto sobressai uma bela harmonia musical , com alternância de ritmos, a merecer sobretudo demoradas pausas na sua leitura.


LINHAS ORIENTADORAS PARA UMA LEITURA DA OBRA
A Luz, quando frequentou a Escola Secundária de Monção, mesmo antes, embora sem pensar que atingiria a dimensão actual, já fazia poemas, e, se calhar, nem sempre bem apreciados, tal como pode estar a acontecer agora com esta pequena abordagem. Confidenciou-me, há três dias, que deixa extravasar a veia poética desde os doze anos. Aliás, “Retalhos”, também por isso, exprimem um conjunto de poemas escritos desde 97 até ao final do ano anterior.
Ora, torna-se evidente que numa variação etária entre os doze e os vinte e um anos (quase), com passagem pela adolescência e juventude, com a sua irreverência, inquietude e amadurecimento, os temas e o modo de abordar a problemática da vida também serão distintos e faseados. Esses aspectos são notórios na obra que acaba de ser editada.
Também, em meu modesto entender, alguns dos poetas apreciados ao longo dos programas da disciplina de Português no ensino secundário (só neste, pois a Luz é estudante de Economia) exerceram contágios na sua produção. Atrevo-me mesmo a afirmar que de Ricardo Reis, Antero de Quental, Bocage ou Sophia de Mello Breyner se verifica nítida influência e deixaram marcas “profundas” nesta autora, como se poderá depreender de pinceladas extraídas aleatoriamente.

TEMÁTICA AMOROSA – PRESENÇA EM TODA A POESIA.
Antes de mais, a poesia fala sempre de amor ou não seja verdade que não há verdadeira poesia se não for concebida com amor. Que amor, no caso de “Retalhos”? Tanto poderá ser, “o sol da infância perdida” como “o amanhecer da juventude tardia” ou “os sonhos que voam como aves de rapina /No picadeiro da montanha”, que “velozmente me surpreendem” e acabam por levar à ideia de que “no infinito/ o tudo é nada”.
Ao longo de várias etapas de vida, a Luz diz que “amo o sol / As estrelas /A lua nova/ A solidão / A noite velha (,,,) “. Nota-se que é ainda uma jovem que tem muito para dar “Tenho algo em mim/ Para dar palavras/ Ensinamentos, poemas” // “Saudade/ Amor/ Amizade/ Carinho / Ternura / E um beijo”..
Num começo e num entusiasmo juvenil diz que “Hoje encontrei-te/ Olhei-te de longe/ Pendurando o sorriso pelo vento/ Toquei as tuas mãos sem saber/ Muito bem o que buscava/ (...) / Distante vi um olhar de esperança”, que se vai alicerçando e estreitando, “Toca na minha face/ Dá-me um beijo suave / Um abraço terno / Um sussurro de carinho/ Acaricia-me o cabelo / De leve o meu pescoço / Juntos olhamos a lua que sorri para nós/ A passos lentos saboreamos um momento/ Junto ao mar”. E que dizer da maravilha da enumeração com que termina o poema?! “ Tudo se perfaz num gesto, palavra, desejo,/ Ternura, carinho, afecto, um beijo/ Demasiado breve e eternamente igual”. (Haverá mais referências amorosas aí adiante).
Se assim fosse a vida! A Luz gostaria que assim fosse sempre, mirrada pelo amor. Caso contrário, após a passagem efémera de um amor já por si volátil, não voltaria a aspirar pela relação, como bem o evidencia, a partir da camoniana metáfora do “fogo”, pois “o fogo que arde dentro de mim/ Não se extingue, vou sofrendo sozinha (...)/Vou mergulhar na escuridão da noite/ Esperar só por ti”.

Dois poemas, sobretudo esses dois, idênticos na forma, apesar de separados nas páginas, manifestam a mesma ideia de regresso ao sentimento amoroso, ao desejo de amar, antes referido. “ Queria ser o vento constante/ Para voar eternamente/ Repousar em teus braços/ Ser tua novamente/ (...) / Quisera eu te esquecer/ Para poder realizar/ O projecto mais precioso/ Voltar a amar” . Isso, exprime num. E no outro, “ “Perdi a noção do que é amar/ Desde o momento que te deixei/ Sofro em profundo silêncio/ Porque sei que te amei”.
Como tudo seria belo se, por contraste, não surgisse a ilusão! E quiçá uma certa nostalgia que contrastam com a alegria da comunicação amorosa. Mas Luz Gomes também não omite algumas destas sensações, ainda que remetidas a fases ou momentos mais fugazes.. “Onde está tu? / Minha ilusão fatal! / Cresce por ti um ódio que é mortal!”. E para o “Eu” poético, essa ilusão representa “um calvário de desespero/ (...) / um desterro...” // “Odeias-me/ Queres-me ver morrer! / Degolas-me com o olhar; / serias capaz de tudo; / Até de me matar”. Ou noutro poema “ Mais um Inverno / Cheio de ilusões”. Não devo omitir também a “Doce Nostalgia” que “envolve teu rosto sereno e puro/ Banhado em lágrimas cristalinas”// “Somos assaltados a todo o instante por tal figura/ Ilustre e bela/ Que tormenta nossos corações frágeis, débeis/ Para todo o sempre”.
Atentemos que, longe de pensar negativamente sempre que a ilusão e a nostalgia se apoderam, Luz Gomes antes vê nelas um antídoto e uma arma de combate para restabelecer o amor. À ilusão e ao desafio Odeias-me/ Queres-me ver morrer! / Degolas-me com o olhar; / serias capaz de tudo; / Até de me matar” responde , convictamente “Eu / Resisto em respirar/ Desprezo-te/ Acabas por te suicidar!... / “Ilusão!””. E não menos sintomático “ As utopias conduzem-se pelos caminhos/ Da esperança de voltar/ A sorrir por dias bem melhores” // “Esperando vou estudando / Uma forma de conquistar / Os desafios propostos para amanhã”.
Da parte da poetisa prevalece o pensar e agir de modo positivo, ou seja, por amor, pensando amar sempre ou no domínio desse sentimento sobre a desilusão.

IMAGÉTICA DE BOCAGE – “TEMPO NOCTURNO”
Laivos de romantismo perpassam também na poética de Luz Gomes, pois em Bocage, nitidamente, se “refugia” para encontrar o “auxílio” em alguns momentos de menos entusiasmo ou para confidenciar seus problemas com os “sócios da noite”, em busca de solução. Disso são nítido exemplo os poemas, “Procuro auxílio nas noites frias de Inverno” ou “Adorava ter a noite por conselheira” e ainda “Permaneço adormecida em teus ramos”. Pode mesmo confirmar-se a “presença” do soneto do sadino poeta, “Oh, retrato da Morte! Oh, Noite amiga”, ao longo destes três poemas mencionados, onde se encontram dispersos os elementos focados no de Bocage. Assim, nota-se a trilogia de mochos (pássaro agoirento) em versos como “agora meus mochos e meus amigos da noite, /Os fantasmas, vêm passar comigo os últimos momentos”, “ Os mochos que piavam, meus mestres, /Meus amigos de longa data”, e “o pio do mocho agoirento /Torna-se pleno e brilhante aos meus olhos”.
Do mesmo modo, manifestam “sintomas” do poeta pré-romântico, “mergulhar nas trevas”, “juntamente com as trevas”, “envolta no silêncio da madrugada”, “pela clara luz da lua cheia” “as sombras da noite fazem-me companhia” “o toque desenfreado dos sinos/chamam-me para assim me juntar aos fantasmas da noite”.
É, porventura, uma fase mais crítica ou melhor auto-crítica, já que também reconhece que “desta vida cruel e malvada”, “cometi erros que magoam” e “agora sozinha neste beco (... ) medito, penso no que fiz”


PESSIMISMO E DESILUSÃO ANTERIANOS.
Um pouco inter-ligada com a fase e influência anterior, poderá também evidenciar-se numa visão algo pessimista, na busca da evasão através do sonho, nalguma incapacidade de adaptação ao real, na perspectiva de que o sonho eleva o espírito e atenua o sofrimento, sendo o refúgio na Morte a superação desse pessimismo .
Evidentemente que são apenas três ou quatro os poemas desta fase, mas neles se revelam estas particularidades e emoções. “Apago as pistas do desconhecido”, as”expectativas perdidas no meio dos teus passos”, “recordações de um tempo que não viveste”, “sonhos e memórias de um ser sem vida”, “destruíram uma parte de mim/ Sem perguntar nada / Apagaram da memória pensamentos /Inutilizaram o poeta para sempre / Frios e calculistas repousam nas cinzas /Foram consumidos pelas chamas /Desapareceram lentamente...”
“´É a autodestruição”! “De que vale a pena lutar/ Nada sentido! Eu própria não tenho sentido” ou o momento do desalento total: “é inútil lutar”.
Vejamos este exemplo perfeito do que acaba de ser exposto:
“ Caminhando na calçada vais, / Leves murmúrios levantam rumo, / Sussurros de espanto destemidos/ Até ao infinito, / Solenemente te acompanham / Na noite silenciosa. / A morte nos mortifica lentamente...”
Nestes aspectos também fica bem evidente a diversidade temática e sentimantal.

“ A RELIGIÃO DO REAL” À MANEIRA DE SOPHIA. UM “ESPAÇO” AGRADÁVEL
Em vários poemas de “Retalhos”, em sintonia com Sophia, nota-se uma ligação privilegiada com o mar e tudo o que o rodeia, admirando a Natureza, abrindo os sentidos às sensações eu dela emanam . “Aqui sozinha no canto do jardim”, “Mais para além do mar”, “ Com sons da natureza, / Poderia voar por aí com o vento”, “ o núcleo do mar”, “a passos lentos saboreamos um momento / junto ao mar”, “aqui à beira rio / Onde o dia foi palco /De nossos amores” ou então “ “Beijar-te junto ao mar /Como um pacto para todo o sempre /Sorrir, brincar com teus lábios, / Namorar até tarde /Ver o pôr-do-sol, o nascer, / O mar em teus braços”.
Porque se enquadra, vem a propósito mencionar que Luz Gomes apresenta em cerca de meia dúzia de poemas o galego puro ou o castelhano, até porque estudou essa língua em Santiago de Compostela, numa manifestação de defender também essa união linguístico – cultural, porque “Fronteiras políticas nom me din nada/ Sempre estivemos unidos, unha língua/ Um rio que nos alimenta, os costumes, todo!”.
Utiliza mesmo, num caso, o bilinguismo no mesmo poema, que ora se cita por se enquadrar nesta temática da natureza. “As ondas batem suavemente... /Na ilusão de um olhar perdido /O sol beija a minha face deliciosamente / No queda ya una lágrima solamente / Para te poder decir que junto al mar/ Te quedo esperando mientras miro las estrellas y la luna”.
Estes exemplos serão suficientes também para aquilatar da “comunhão” com a natureza e da manifestação de alegria com paixão perante o esplendor do mundo.


UM NOTÓRIO EPICURISMO DE REIS.
E para concluir este pequeno périplo pelos poetas (magnânimos), diremos que Fernando Pessoa “marca”, indiscutivelmente, qualquer aluno do ensino secundário, que se preze como tal. E como tal se guindou, como boa aluna (que continua a ser), a Luz também não passa indiferente perante a intertextualidade de Pessoa. Passando pela “rama” de Caeiro, “não vale a pena estar a pensar / em coisas insignificantes aos teus olhos”, é no epicurismo de Ricardo Reis, mormente no seu “carpe diem”, na fruição do momento presente como caminho de felicidade, que encontramos bastantes referências e aspectos nesta obra poética.
“ Na realidade distante / Com um pensamento fugaz” ou “o tempo passa e não volta, / Todos os momentos são únicos / tudo o que vai não regressa”. “Alheio a tudo o que nos rodeia (...) / com o momento sem pensar no amanhã/ futuro questionável” e ainda “deliciando-me por momentos breves/ Com alegrias fugazes”.
Citarei, a propósito de Pessoa, o poema “Não penses!”, cujo título o aproxima de Caeiro (“pensar é estar doente dos olhos” ou “incomoda como andar à chuva”), o corrobora como “poeta do ver e do olhar”, já que “possuiu-te o olhar/ vejo tudo em que pensas / Não penses/ Não vale a pena”, passando pelo próprio ortónimo, com “ a vida em plena inocência / A inconsciente consciência”, para eclodir em Reis, “vive o novo dia como se fosse o primeiro/ (...) / Caminha sozinho e afastado de tudo / O mundo está à tua espera”.

TEMÁTICA RICA, VARIADA.. EM LINGUAGEM CLARA E SIMPLES.
No exposto, talvez não tenha havido abordagem ou referência a todos os poemas de “Retalhos” já que são em número elevado e em extensão considerável. Porém, as citações, julgo que são cabais e suficientes para reconhecer não só a profundeza do pensamento, a torrente inebriante da veia poética, a riqueza vocabular e expressiva e a diversidade temática recriada e resumidamente referida.
Uma variedade de figuras literárias perpassa por toda a sua obra, repleta de uma adjectivação variada e tantas vezes oxímora para enriquecer o poema e melhor exprimir os sentimentos, a par da utilização sugestiva, coloquial e comunicativa da pontuação.

Apenas uma pequena adenda, própria de uma aluna das Matemáticas. “Sonhei com os números/ Infinitos, preposições / Teoremas e definições inquestionáveis, / Cheias de sabedoria seculares”, condensado em amor à disciplina, devendo multiplicá-los, neste género, como incentivo e motivação a tantos colegas que não atinam com as equações e a trigonometria.

E a finalizar, imagino um certo cepticismo na mente de vários presentes ou outros que possam vir a adquirir a obra: quem conseguirá interpretar tais poemas eivados de tantas teorias e figuras literárias?
A resposta é simples: toda a gente que sabe minimamente ler. Os poemas de Luz Gomes revelam uma profundidade de pensamento mas expressa em linguagem clara e simples. Tão clara e tão fácil de compreender que alguma linguagem metafórica e conotativa, de que costuma viver a poesia, transformou-a em comparações, muitas de cariz meramente popular. O “popular” advérbio de modo é outra faceta muito peculiar da poetisa. Às carradas (perdoe-se-me o termo) , surgem os “mente” (muitos já citados), como “velozmente”, “suavemente”, “solenemente”, “agradavelmente”, “somente” ou “paulatinamente”, além de muitos outros, cabalmente, distribuídos.

No que respeita à facilidade de compreensão das comparações, com que termino, aqui se registam quatro exemplos: “ O vento toca na minha face /Como um beijo suave e doce”. Só quem o não sabe dar ou nunca o recebeu é que não desvendará todo o sentido do poema. “Gira, roda, rodopia, / Como um pião, a vida”, também facilmente compreensível, pois, apesar do hipérbato presente, compreende-se a gradação de que a vida gira, roda e rodopia como um pião, dependendo a duração (antes de cair) do modo mais ou menos perfeito de lançamento. Nem valerá a pena explanar “Os sonhos que voam como aves de rapina/No picadeiro da montanha” e muito menos “As estrelas que iluminam a minha noite/São como as flores que tenho plantado no meu jardim/ Sorriem para mim quando passo / Choram porque ainda não vim”. Diz tudo.
E sabem por que é que Luz Gomes gosta de utilizar esta linguagem tão própria das nossas gentes? “ Sou filha da terra, não renego das minhas origens” (Traduzido em Português, do poema original em Galego).. Parabéns, também por isso.


CONCLUSÃO

Em suma, muito, muito, mas mesmo muito ficou por dizer sobre “Retalhos”. E sobretudo faltou dizer melhor. Teria sido preferível ter seguido Dual: “Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, ora é mais confuso) ” (Arte Poética IV, Dual).
Cada qual pode e deve fazê-lo, a partir de agora, prestando homenagem e admiração à Luz, que bem merece esta felicidade em corolário de enormes esforços que tem desenvolvido. Apraz-me felicitá-la, bem como a seus pais e familiares, expressando ainda gratidão, como seu admirador, a todos os que possibilitaram, duma maneira ou doutra - Editora “Papiro”, Câmara Municipal, Professora Ana Matos e outros - possibilitaram a materialização deste seu sonho e a confecção do primeiro “Retalho”.
De Eugénio de Andrade sabemos que as palavras “tecidas, são de luz”, ou seja, colocadas devidamente no seu lugar, no texto, iluminam. Parafraseando-o, em “Retalhos”, diremos que as palavras foram tecidas pela Luz. E a tecedeira teve engenho e arte para apresentar um notável, belo e rico “retalho”. Este fica aguardando a tecelagem de novos “retalhos” para, em breve, todos ligados, constituírem uma preciosa manta. Assim seja a vontade da tecedeira.


Monção, Casa do Curro, 29 de Abril de 2006

Armindo Guedes da Ponte

Alguns Retalhos

Retalhos
Ausência de espaço
Pedaços de mim
Cosidos pelo acaso
Conjugação de ideias
De quem não pensa
Fragmentos aproveitados
Reciclados pelos minutos
De uma existência ténue…

Destruíram uma parte de mim
Sem perguntar nada
Apagaram da memória pensamentos
Inutilizaram o poeta para sempre
Frios e calculistas repousam nas cinzas
Foram consumidos pelas chamas
Desapareceram lentamente…




Gira, roda, rodopia,
Como um pião, a vida,
O sol da infância perdida,
O amanhecer da juventude tardia.

Os sonhos que voam como aves de rapina
No picadeiro da montanha
Velozmente nos surpreendem
E no infinito
O tudo é nada




Escreve-se a um canto,
Admira-se!
Por leve sobressalto, suspira-se!

Onde estás tu?
Minha ilusão fatal!
Cresce por ti um ódio que é mortal!

Caída a um canto...
Um calvário de desespero
Forma em mim um pranto
Um desterro...

Ilusão... quimeras
Olho para ti
E tu desesperas...
Morres só em me ver!
Odeias-me,
Queres-me ver morrer!
Degolas-me com o olhar,
Serias capaz de tudo:
Até de me matar!
Eu
Resisto em respirar
Desprezo-te
Acabas por te suicidar...
“Ilusão!”




Não ficou uma pedra somente…
As ondas batem suavemente…
Na ilusão de um olhar perdido
O sol beija a minha face deliciosamente

No queda ya una lagrima solamente
Para te poder decir que junto al mar
Te quedo esperando mientras miro las estrellas y la luna,
Mi compañera hasta el final de mi vida…



Na avenida:
Os passos
Perdidos de tudo
Da ilusão de um sonho
Que pensavas há muito perdido
Quimeras e questões
Abandonadas ao seu destino
Olhares súbitos de pessoas cegas
Com sede de ouvir blasfémias
Ritmadas e constantes
Passos que se perdem nas calçadas
Sonâmbulos sem rumo
Autómatos de um espaço
De um tempo que não existe...
Na avenida:
O tempo
Algo que não se vê
Troca-se com o olhar e...
Acaba,
Para os perdidos:
Um labirinto de incógnitas
Que nos fazem conhecer uns aos outros,
O ruído apodera-se de nós num momento,
Não acreditas em ti próprio,
Colocaste em choque
Não crês!
O teu Deus já morreu há muito
Talvez o de todos nós
Que nos desacreditamos de tudo
Talvez... Na avenida...




Non teño medo das críticas de identidade
De ser pagá dun soño
De me sentir oriunda de unha terra
Que non me pertence,
De quen son
Fronteiras políticas non me din nada
Sempre estivemos unidos, unha lingua
¡Un río que nos alimenta, os costumes, todo!
Son filla da terra, non renego as miñas orixes,
Acepto as críticas de persoas sen razón,
¡Que non aceptan esta forma de estar contigo!
Comigo,
¿Por que fuxir da realidade?
Os meus antepasados, as miñas terras foron túas,
¿Por que omitir?
¡Está no tempo de facer algo!
Alimentar o soño
Non caer en futilidade,
¡Vamos construir!
¡Vamos afirmar quen somos!
“Galiza”



Hoxe hai no ar máis cousas
Das que pensabas ter perdido
Atopaches o teu descoñecido nas fragas,
Non querías confiar
Que había novos horizontes
En que podías crer.

Hoxe foi un gran día para nós
Axudámosche a seguir en fronte
Ó mellor: a pedirche que creas en ti
Mais ca nunca sé ti!
Unha persoa simple e real
Perdida polos números infinitos
(Converxe cando o limite é finito)
Cousas que non che dan de comer
Que che amolan a cabeza
Loucamente.

Hoxe hai maxia no ar
O futuro agárdate
Polas rúas infinitas
Cos limites en que non cres

Dedico Retalhos

Dedico retalhos:
Pedaços de mim,
Elos de ligação
Com o mundo
Que me ensinou a caminhar,
Me fez sorrir,
Acreditou em mim.
Palavras aos meus amigos
Eles sabem quem são.
Pontos e vírgulas aos instantes,
Sorrisos
A quem me está próximo
Poemas
Músicas
Silêncios
Bem-haja aos momentos de “loucura”,
De inspiração,

Gracias:
Hermanito,, Gabriela, M. João y Ana

martes, mayo 16, 2006

Apresentação do livro Retalhos no Porto


A autora Luz Gomes e a Papiro Editora têm o prazer de convidar V. Exa. a estar presente na sessão de apresentação do livro "Retalhos" que terá lugar no dia 9 de Junho de 2006, na Bertrand do Dolce Vita, Antas, Porto às 21h00




lunes, mayo 08, 2006

"Acima de tudo e através dos seus “retalhos”, este livro nos vai dando pistas sobre emoções, pensamentos e vivências da sua autora…
Apesar de me ser difícil ser objectiva acerca de um livro de poesia, sempre defendi que a melhor forma de o avaliar será através das emoções que suscita aquando da sua leitura. E apesar de terem sido inúmeros os sentimentos que provocou em mim, ressaltarei dois: compreensão e admiração. Compreensão de toda uma história, exposta de forma tão clara e, simultaneamente, tão complexa, qual espelho quando reflecte uma imagem. Admiração por um talento que eu julgava conhecer mas que não pára de me surpreender.

Da admiradora,
Ana"